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Gagueira: Caracteristicas, Diagnóstico diferencial e Tratamentos

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Mensagem  bryanferraz Seg Set 15, 2014 2:16 am

A gagueira está codificada na Classificação Internacional de Doenças (CID-10) com os caracteres F98.5. Desta forma, a gagueira é cientificamente considerada como distúrbio ou transtorno de fluência da fala.

Entre 50 a 80% das crianças que apresentam sintomas de gagueira na infância conseguem se recuperar, com ou sem tratamento fonoaudiológico, antes da puberdade. Até os 16 anos, 84% das crianças que já gaguejaram terão se recuperado. Tal remissão da gagueira costuma ocorrer, no máximo, em até dois anos ou ao redor dos 18 meses, após o surgimento de seus primeiros sintomas. Depois desta época, a gagueira pode manter-se estável, progredir ou piorar, mas jamais desaparecer completamente. Após o estabelecimento do quadro, a tendência é a de se cronificar. Por isso, a recuperação do adolescente ou do adulto é sempre parcial, sendo que em muitos casos a cura não é alcançada.

Sua incidência, ou seja, a porcentagem da população que gaguejou em algum momento de sua vida, é de 4%. No entanto, após a puberdade tal número sobe para 5%. Quanto à sua prevalência, ou seja, a porcentagem da população que gagueja em um determinado período é de 1% para crianças. Esta porcentagem se mantém constante até por volta dos 12 anos de idade. A partir daí, tende a declinar, em função do curso da gagueira. Após a puberdade encontra-se ao redor de 0,8%, podendo chegar a 0,5%. Sua prevalência é menor do que sua incidência porque a remissão espontânea do quadro costuma ocorrer antes da adolescência.

A gagueira afeta mais o sexo masculino do que o feminino, numa proporção de 2.3:1 a 3.0:1. Há, praticamente, três vezes mais homens do que mulheres, entre a população que gagueja.

O problema central na gagueira consiste em uma dificuldade do cérebro para sinalizar o término de um som ou uma sílaba e passar para o próximo. Desta forma, a pessoa consegue iniciar a palavra, mas fica presa em algum som ou sílaba (geralmente o primeiro) até que o cérebro consiga gerar o comando necessário para dar prosseguimento com o restante da palavra.

Acredita-se que as estruturas cerebrais envolvidas com a gagueira sejam os núcleos da base, os quais estão envolvidos com a automatização de tarefas (dirigir, calcular, escrever, falar, etc.). Portanto, a dificuldade central na gagueira estaria em uma automatização deficiente dos movimentos de fala.

Geralmente a dificuldade do cérebro em gerar comandos para terminar um som ou sílaba no tempo previsto manifesta-se externamente como bloqueios, prolongamentos e/ou repetições de sons ou sílabas. Entretanto, também é possível que as manifestações externas não ocorram ou ocorram muito pouco, caracterizando o que é conhecido como gagueira encoberta. A gagueira encoberta ocorre com pessoas que são extremamente hábeis no uso de certas estratégias linguísticas como, por exemplo, substituição de palavras, mudança na ordem das palavras, circunlocuções, uso de marcadores discursivos (olha, bom, então, etc.), uso de pausas preenchidas (éh, ãh), evitação e fuga de determinadas situações ou pessoas. Essas estratégias são utilizadas com maestria pelas pessoas com gagueira encoberta, mas seu uso não está restrito a elas: virtualmente todas as pessoas que gaguejam utilizam algumas estratégias para ocultar ou minimizar a ocorrência externa da gagueira na tentativa de lidar com o distúrbio e de diminuir o estigma social.

Em relação à fala, os núcleos da base atuam principalmente em situações de fala espontânea, especialmente quando a mensagem apresenta grande conteúdo. O envolvimento dos núcleos da base tende a diminuir em situações que não envolvem fala espontânea (exemplos: cantar, falar com outro sotaque, falar de forma silabada, falar no ritmo de um metrônomo, ler em coro) e também em situações em que há pouco conteúdo na fala (exemplos: falar com animais, falar com crianças pequenas, falar sozinho): é por isso que essas situações geralmente induzem a fluência em pessoas que gaguejam. Muitas pessoas acreditam que a gagueira é um distúrbio emocional ou psicológico justamente porque ocorrem essas variações de fluência. Entretanto, a gagueira é um distúrbio neurológico e as variações de fluência podem ser explicadas pelo maior ou menor envolvimento dos núcleos da base na fala.

A gagueira tem seu início predominantemente na infância: como já relatado, a gagueira tem seu início predominantemente na infância e, em menor proporção, na adolescência. Dessa forma, quando nos deparamos com uma pessoa com queixa de que seu distúrbio de fluência teve início na fase adulta, este caso deve ser exaustivamente investigado, pois podemos estar frente a um caso de disfluência psicogênica ou disfluência neurológica. Durante a anamnese, pode-se constatar que a alteração da fluência já existia anteriormente mas de uma forma mais amena ou que nunca foi valorizada até o momento que a disfluência passa a ser um obstáculo na vida pessoal e/ou profissional desta pessoa.

Fatores etiológicos ainda não totalmente identificados: a causa da gagueira ainda não foi completamente esclarecida. Ao se investigar o início da gagueira em crianças observou-se que, na maioria delas, não era possível afirmar com precisão quais os fatores que eram responsáveis pelo seu desencadeamento. Na grande maioria dos casos não havia conflitos aparentes, doenças, oportunidades de imitação, choques ou experiências de medo. A gagueira parecia se iniciar em condições normais de vida e comunicação. Sendo assim, nos casos onde há um marco claro do início da gagueira, devemos ficar atentos para não confundi-la com outro distúrbio da fluência. Apesar de existirem algumas linhas de pesquisas que tentam explicar a(s) possível (is) causa(s) da gagueira, nenhuma delas dá conta de toda a sua complexidade. As pesquisas atualmente tendem a defender a ulticausalidade, ou seja, tendem a considerar que a gagueira é causada pela inter-relação de fatores lingüísticos, orgânicos, psicológicos e sociais.

Repetições diferentes das “normais”: ao observarmos a fala de pessoas sem queixa de gagueira, eventualmente encontramos repetição de sílabas, de palavras e breves prolongamentos, porém a freqüência é pequena e dificilmente vem associada à tensão. Não se encontram bloqueios ou pausas inadequadas.

A gagueira é modificada com a intervenção terapêutica: existem algumas estratégias que promovem a fluência na fala de pessoas apresentando gagueira como é o caso de cantar, ler em uníssono, usar da fala sussurrada, falar no ruído (utilizando-se de fone de ouvido), fenômeno de adaptação na leitura (quanto mais vezes um mesmo texto é lido pelo paciente, mais fluente ele vai se tornando neste texto) e automatismo. Dificilmente o paciente gagueja ao contar de 0 a 10, por exemplo, ou ao fazer uma oração a que está habituado. Caso esses “fenômenos” não ocorram na fala da pessoa que está sendo avaliada, mais uma vez devemos ficar atentos ao diagnóstico diferencial com outros distúrbios da fluência.

Movimentação secundária não evidente durante os períodos de fluência: há evidências de que a movimentação secundária, ou seja, os movimentos que a pessoa que gagueja faz durante os períodos de disfluência — como, por exemplo, jogar o pescoço para trás, piscar os olhos com tensão, bater as mãos no joelho.

A gagueira é involuntária: ou seja, a pessoa que gagueja não tem controle sobre a sua fala e não consegue evitar a ocorrência da gagueira, por mais que se esforce.

Além dos sinais externos, a gagueira também está associada com um grande sofrimento interno, porque a pessoa tem o que falar, sabe o que falar, mas não consegue. Desta forma, geralmente ocorre uma forte reação à gagueira, porque ela interfere na comunicação e nos desempenhos escolar e profissional.

Diagnóstico Diferencial

O diagnóstico diferencial é o processo para distinguir dois distúrbios de aparência semelhante. É necessário analisar detalhadamente a origem, a caracterização e o desenvolvimento dos sinais e sintomas para se chegar à conclusão de que pertencem a um determinado distúrbio e não a outro. Em diversos casos, é necessário fazer o diagnóstico diferencial entre a gagueira e outros distúrbios de fala. Os distúrbios que mais frequentemente podem se confundir com a gagueira são:

Fala rápida
Fala rápida ou falar rápido são expressões leigas para os distúrbios taquilalia e taquifemia. Esses distúrbios podem se confundir com a gagueira na medida em que o aumento da taxa de elocução (velocidade de fala) geralmente aumenta o número de hesitações/disfluências na fala, ocasionando a falsa impressão de gagueira.
- taquilalia:caracterizada por uma taxa de articulação (velocidade de fala) elevada, suficientemente intensa para prejudicar a inteligibilidade da mensagem. Não ocorre aumento significativo no número de hesitações/disfluências comuns ou gaguejadas. Também não estão presentes outras alterações de linguagem, como dificuldades sintáticas ou dificuldades com macroestruturas textuais (discurso confuso)
- taquifemia: é caracterizada por uma taxa de articulação (velocidade de fala) elevada, suficientemente intensa para prejudicar a inteligibilidade da mensagem. Entretanto, dois outros sintomas também são obrigatórios para o diagnóstico de taquifemia: aumento significativo no número de hesitações/disfluências comuns e pouca consciência do distúrbio de fluência. Apesar de não serem sintomas obrigatórios, costumam estar presentes na taquifemia:História familial para distúrbio de fluência ou de linguagem, Distúrbio fonológico (troca de letras na fala e/ou na escrita), Dificuldades de acesso lexical (dificuldade para encontrar as palavras), Dificuldades sintáticas, Dificuldades com macroestruturas textuais (discurso confuso), Dificuldades de leitura e escrita, Retardo no desenvolvimento de linguagem, Retardo no desenvolvimento motor  e Desatenção, hiperatividade e/ou impulsividade.

Disfonia espasmódica
A disfonia espasmódica é um distúrbio de voz em que ocorrem contrações involuntárias nos músculos da laringe. Na disfonia espasmódica adutora e na disfonia espasmódica mista ocorrem interrupções na voz que podem ser confudidas com os bloqueios que ocorrem na gagueira. Além disso, a fala como um todo apresenta esforço.

Tiques
Tiques são movimentos rápidos, abruptos, repetitivos e sem propósito, que ocorrem em virtude de uma disfunção nos núcleos da base. Os tiques são involuntários e o indivíduo com tiques não consegue ter controle sobre eles. Os tiques costumam ser precedidos por sensações premonitórias (sinais físicos ou mentais que avisam que algum tique está prestes a acontecer). Após o tique, o sujeito pode experimentar uma sensação de alívio. De forma geral, os tiques são classificados em dois grandes grupos:

Tiques motores: piscar os olhos, fazer caretas faciais, retorcer o nariz e a boca, levantar os ombros, sacudir a cabeça, protruir a língua, tocar o rosto ou outra parte do corpo, morder os lábios ou outra parte do corpo, bater os pés, etc.

Tiques vocais: pigarrear, estalar a língua, proferir sílabas ou palavras inapropriadas ao contexto de fala, mudar bruscamente o volume da fala, repetir a mesma palavra várias vezes (palilalia), repetir palavras que outras pessoas disseram (ecolalia), falar palavras obscenas (coprolalia).
Alguns tiques podem ser confundidos com gagueira. Em relação aos tiques motores, o engano mais comum é achar que o movimento está sendo feito para soltar a gagueira. Em relação aos tiques vocais, o engano mais comum é não diferenciar o tique vocal da própria gagueira. A co-ocorrência de gagueira e tiques é frequente, não devendo, portanto, ser subestimada.

Mioclonia
A mioclonia é caracterizada pela ocorrência de movimentos involuntários, de início abrupto e de curta duração. No caso abaixo, os movimentos mioclônicos ocorrem na face e no pescoço. A queixa primária do sujeito era gagueira. Entretanto, o diagnóstico diferencial demonstrou que as rupturas na fluência eram causadas pelos movimentos mioclônicos. Os dados da anamnese também foram importantes para o diagnóstico diferencial, tendo em vista que as dificuldades de fala iniciaram aos 21 anos após um quadro de encefalite viral.

TRATAMENTOS
Terapeutico:
O processo terapêutico deve auxiliar o terapeuta e paciente a compreender a maneira como cada pessoa se organiza diante da fala gaguejada. A análise de todos os preâmbulos: idade, história de fala, antecedentes familiares, vivências, tipologia, grau de severidade, entre outros; dos comportamentos corporais manifestados por essa pessoa e da escuta cautelosa do que a pessoa diz, fornecerá dados para que o terapeuta possa tomar decisões que sejam pertinentes a essa determinada pessoa. O trabalho do fonoaudiólogo deve ser um trabalho de detetive cuidadoso e delicado, que vai investigar com sensibilidade e cautela todas as manifestações clinicas e seu impacto na vida dessa pessoa.

No processo terapêutico, torna-se importante trabalhar com a propriocepção, o relaxamento psico-fisico, a coordenação pneumo-fono-articulatória, a lentificação da fala, o aumento da amplitude articulatória, o contato de olho, entre outros. Estratégias como o cancelamento, o pull-out, o de redução gradativa de tensão, gagueira voluntária, inicio de fonação suave, fala ritmada ou silabada, fala sob mascaramento, atraso do feed-back auditivo associado à alteração da freqüência da fala, são excelentes aliados no trabalho de promoção de fluência e/ou modificação da gagueira.

O terapeuta deve tornar o ambiente profissional acolhedor. Ele é o mediador, o facilitador do conhecimento crítico que o paciente terá de si, de sua fala, de suas relações de comunicação e das técnicas a serem empregadas, promovendo, ou facilitando, a fluência.

O paciente deve ser estimulado a participar ativamente, executando as atividades prescritas pelo terapeuta no seu dia-a-dia. O terapeuta leva o paciente a compreender melhor a gagueira, a sentir como ela acontece em seu corpo. Leva-o a tomar consciência de seus sentimentos em relação à sua fala e à gagueira. Todas essas experiências devem ser sentidas sob a ótica da dupla terapeuta e paciente. Ao elaborar um planejamento o terapeuta não deve se perguntar O que eu faço?. Mas Por que eu faço? - Por que opto por esta e não por aquela técnica? Cada uma tem o seu porquê ao estar sendo aplicada e o momento certo de fazê-lo. A importância da técnica reside na sua adequação à pessoa, sua situação, suas possibilidades. Não pode ser usada só porque é uma técnica.

Medicamentoso:
- Bloqueadores dos receptores beta-adrenérgicos, como o propanolol. Esta classe de medicamentos bloqueia os receptores de adrenalina do tipo beta. Esses medicamentos controlam os sintomas físicos de ansiedade e são eficazes apenas diante de situações específicas, como antes de uma reunião ou antes de proferir uma palestra.
- Inibidores seletivos de recaptura de serotonina (ISRS), como a fluoxetina e sertralina (as mais estudadas). Esta classe de medicamentos promove um aumento na concentração do neurotransmissor serotonina na fenda sináptica devido ao bloqueio da recaptação da serotonina pelos neurônios pós-sinápticos, atuando provavelmente de duas maneiras em relação à gagueira:
            O aumento da serotonina inibe a ação da dopamina, o que facilitaria a resposta motora da fala.
            A regulação do sistema serotoninérgico diminui a ansiedade que freqüentemente acompanha a gagueira.
            A regulação do sistema serotoninérgico atuaria na diminuição de sintomas obsessivo-compulsivos típicos da gagueira (por exemplo, os                                                   pensamentos fixos em relação ao desempenho de fala, o temor excessivo diante de certos sons e/ou palavras, as previsões catastróficas das conseqüências sociais da gagueira).
- Neurolépticos atípicos, como a risperidona (a mais estudada). Esta classe de medicamentos bloqueia parte dos receptores D2 do neurotransmissor dopamina, diminuindo a entrada de dopamina nos neurônios pós-sinápticos, atuando provavelmente de duas maneiras em relação à gagueira:
            Facilitando a resposta motora da fala.
            Inibindo vocalizações e movimentos estereotipados e indesejados durante a fala (por exemplo, piscar ou fechar os olhos, fazer caretas faciais, levantar os ombros, fazer movimentos bruscos com a cabeça, grunhir, protruir a língua).

Fontes:
1) Livro: Conhecimentos essenciais para atender bem a pessoa com Gagueira
2) www.gagueira.org.br

bryanferraz

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Data de inscrição : 08/09/2014

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